Ninguém começa por cima. Para chegar à F1, o piloto tem de passar por muitas categorias de base e se esforçar para adquirir experiência e patrocinadores necessários para entrar na principal divisão do automobilismo mundial. Geralmente, o candidato a uma das vagas da F1 começa no kart, depois passa pela F3, GP2, entre muitas outras.
Com o jornalismo não é diferente. "Nossa, Marcelo, você vai ser correspondente internacional, é o que todos querem". "É, mas calma lá, veja bem...", respondi. Quando comentei com algumas pessoas que iria cobrir 'in loco' os testes de pré-temporada da F1 em Valência, a maioria disse: "Nossa, que bom, você vai ficar nos melhores hotéis, pegar voos bons, só comer em restaurantes caros. É como se pagassem férias pra você". Nada disso.
O esquema da minha viagem é totalmente diferente. Estou morando atualmente na Alemanha a estudos — sem me desligar do Grande Prêmio — e aprendi alguns jeitos de viajar de maneira extremamente econômica pela Europa. Esta jornada é um exemplo.
O voo que peguei é de uma empresa irlandesa que faz um negócio muito interessante e barato. A passagem que comprei de Frankfurt a Valência, por exemplo, custou € 20 (R$ 51,87). É menos do que um bilhete de ônibus de Ribeirão Preto a São Paulo. Mas tudo tem seu preço, como bem disse a companheira do site Evelyn Guimarães quando descrevi o esquema deste tipo de voo.
Por esse preço, o passageiro só pode levar uma mala de mão de no máximo 10 kg, 55 cm de altura, 40 cm de largura e 20 cm de espessura. Se quiser levar outra, paga € 15 (R$ 38,91) a mais quando efetua a compra. Chegando ao aeroporto, os funcionários pesam e medem cada bagagem. Se não se adequar milimetricamente aos quesitos, € 30 (R$ 77,81) de multa.
Nada para comer ou beber é servido a bordo. Se quiser as opções mais baratas do menu, € 3 (R$ 7,78) por uma água e € 2,50 (R$ 6,48) por um pão. Os aeroportos em que a empresa opera não são os principais de cada cidade, são sempre pequenos e ficam em cidades vizinhas aos grandes centros. Por exemplo, peguei um ônibus do centro de Frankfurt até o aeroporto, e a passagem custou metade do que paguei.
E também não há assento reservado para quem quiser pagar barato. Quem chega primeiro escolhe a janelinha. Se quiser reservar, paga mais. Como quase ninguém desembolsa essa taxa extra, fica uma muvuca na sala de embarque pra ver quem escolhe os melhores lugares do avião. Fila indiana, nem pensar. Todo mundo se empurra, e muita gente passa na sua frente na cara dura.
Há boatos por aqui sobre alguns dos projetos desta empresa: cobrar idas ao banheiro e vender passagens mais baratas ainda para quem se sujeitar a viajar de pé. Duvido muito que isso será implantado. Algum parlamentar europeu dará um jeito de vetar.
Mas a grande muvuca na sala de embarque não foi tão ruim assim dessa vez. No empurra-empurra, me espremeram perto de dois alemães. Uma garota e um homem que conversavam sobre F1. Pela pouca distância, era inevitável ouvir que estavam planejando a estadia em Valência em função dos treinos da pré-temporada. Como eu estava indo pelo mesmo propósito, puxei assunto.
Após dois minutos de conversa, a porteira foi aberta, e a boiada se apressou em direção ao avião. Despedi-me dos dois e perguntei os nomes. Ambos me disseram me olhando de modo meio desconfiado, mesmo eu tendo dito que era jornalista. O alemão é mesmo mais reservado e não costuma falar muito sobre si pra quem acaba de conhecer.
Mas esse olhar desconfiado talvez tenha sido um preconceito meu. Talvez eles estivessem com pressa pra escolher logo a janelinha. Quando entrei no avião e estava colocando minha mochila milimetricamente medida no porta-malas, em um dos últimos assentos restantes (perto do banheiro), ouvi um "Marcelo!?" da garota com que acabara de conversar. Sorri, e ela disse pra eu me juntar aos dois na fileira de três assentos em que estavam. Ela, logicamente, na janelinha.
Conversamos um pouco sobre a F1 e percebi que a menina, Annika Göcke, de 21 anos, era fã do esporte a motor. O homem, Thomas Walther, que não revelou a idade, também se mostrou um apreciador do automobilismo, mas era mais contido nas opiniões. Ambos se conheceram em dezembro passado em Munique em um evento beneficente de kart organizado pelo fã clube de Adrian Sutil (sim, isso existe aqui). E agora se reencontraram somente para ir juntos aos treinos da F1.
Perguntei se sabiam que parte do dinheiro que investiriam nos ingressos para o teste seria doada para as vítimas do terremoto no Haiti. Disseram que sim, mas a menina logo se prontificou e falou que "as pessoas sabem disso, e é uma iniciativa legal, mas ninguém vai ao teste por causa desse motivo. Todos vão mesmo pra ver a volta do [Michael] Schumacher". "E pra ver o [Fernando] Alonso de vermelho", acrescentou Thomas.
E enquanto conversávamos no avião, percebi que já estávamos parados no mesmo lugar havia 20 minutos. Por causa da forte neve que caia em Frankfurt, o vôo atrasou uma hora. Mas continuamos a conversa, algumas vezes interrompidos por um comissário de bordo com um humor sarcástico que nunca vi dentro de um avião.
"Se por algum motivo você tiver de continuar a sua viagem a Valência nadando, você encontra coletes salva-vidas embaixo de seu assento", disse ele, enquanto o outro comissário indicava, dando risada, o lugar onde estavam os coletes.
Após as risadas de alguns e a expressão de medo de outros, voltamos a falar sobre o motivo da nossa viagem. E perguntei a eles quais eram as impressões que tinham dos pilotos brasileiros através das informações que consomem geralmente.
"Nunca me interessei muito pelo [Rubens] Barrichello, nunca acompanhei muito o que ele fez. Mas o [Felipe] Massa tem chamado bastante a nossa atenção nas últimas temporadas. Eu torci muito por ele em 2008 e até chorei quando ele perdeu o título para o [Lewis] Hamilton no GP do Brasil. Não suporto alguém tão sem graça quanto o Hamilton ser campeão. Tomara que o Massa se recupere agora, depois do acidente na Hungria", disse Annika.
"Pena que ele vai ser segundo piloto neste ano", interrompeu Thomas. "Por que acha isso?", perguntei. "Dentro da Ferrari, já está claro pra mim que o Alonso está no comando. Ele é bicampeão, não precisa provar nada. A equipe sempre escolhe um pra vencer, e vai ser ele. A não ser que o Massa seja muito superior do que o Fernando logo nas três primeiras corridas. Aí, sim, dá pro brasileiro", acrescentou.
E a voz no auto-falante voltou a nos interromper. "Senhoras e senhores, agora iremos apagar as luzes para dar procedimento à decolagem. Se você tiver medo de escuro, você pode acender a sua luz individual ao apertar o botão que se encontra acima de sua cabeça", disse o comissário bem-humorado.
Annika, depois de dizer que não tinha medo de escuro, voltou a falar dos pilotos brasileiros. "E o Nelsinho é um estúpido. Por que ele fez aquilo? [se referindo ao escândalo de Cingapura]. Não é à toa que foi parar na Nascar, né?". Thomas riu e concordou.
Depois a conversa foi mudando de direção até que nós três, cansados, caímos no sono. Mas o cochilo foi interrompido novamente pelo comissário: "E nossa jornada chega a um final feliz. Bem vindos a Valência."
Com o jornalismo não é diferente. "Nossa, Marcelo, você vai ser correspondente internacional, é o que todos querem". "É, mas calma lá, veja bem...", respondi. Quando comentei com algumas pessoas que iria cobrir 'in loco' os testes de pré-temporada da F1 em Valência, a maioria disse: "Nossa, que bom, você vai ficar nos melhores hotéis, pegar voos bons, só comer em restaurantes caros. É como se pagassem férias pra você". Nada disso.
O esquema da minha viagem é totalmente diferente. Estou morando atualmente na Alemanha a estudos — sem me desligar do Grande Prêmio — e aprendi alguns jeitos de viajar de maneira extremamente econômica pela Europa. Esta jornada é um exemplo.
O voo que peguei é de uma empresa irlandesa que faz um negócio muito interessante e barato. A passagem que comprei de Frankfurt a Valência, por exemplo, custou € 20 (R$ 51,87). É menos do que um bilhete de ônibus de Ribeirão Preto a São Paulo. Mas tudo tem seu preço, como bem disse a companheira do site Evelyn Guimarães quando descrevi o esquema deste tipo de voo.
Por esse preço, o passageiro só pode levar uma mala de mão de no máximo 10 kg, 55 cm de altura, 40 cm de largura e 20 cm de espessura. Se quiser levar outra, paga € 15 (R$ 38,91) a mais quando efetua a compra. Chegando ao aeroporto, os funcionários pesam e medem cada bagagem. Se não se adequar milimetricamente aos quesitos, € 30 (R$ 77,81) de multa.
Nada para comer ou beber é servido a bordo. Se quiser as opções mais baratas do menu, € 3 (R$ 7,78) por uma água e € 2,50 (R$ 6,48) por um pão. Os aeroportos em que a empresa opera não são os principais de cada cidade, são sempre pequenos e ficam em cidades vizinhas aos grandes centros. Por exemplo, peguei um ônibus do centro de Frankfurt até o aeroporto, e a passagem custou metade do que paguei.
E também não há assento reservado para quem quiser pagar barato. Quem chega primeiro escolhe a janelinha. Se quiser reservar, paga mais. Como quase ninguém desembolsa essa taxa extra, fica uma muvuca na sala de embarque pra ver quem escolhe os melhores lugares do avião. Fila indiana, nem pensar. Todo mundo se empurra, e muita gente passa na sua frente na cara dura.
Há boatos por aqui sobre alguns dos projetos desta empresa: cobrar idas ao banheiro e vender passagens mais baratas ainda para quem se sujeitar a viajar de pé. Duvido muito que isso será implantado. Algum parlamentar europeu dará um jeito de vetar.
Mas a grande muvuca na sala de embarque não foi tão ruim assim dessa vez. No empurra-empurra, me espremeram perto de dois alemães. Uma garota e um homem que conversavam sobre F1. Pela pouca distância, era inevitável ouvir que estavam planejando a estadia em Valência em função dos treinos da pré-temporada. Como eu estava indo pelo mesmo propósito, puxei assunto.
Após dois minutos de conversa, a porteira foi aberta, e a boiada se apressou em direção ao avião. Despedi-me dos dois e perguntei os nomes. Ambos me disseram me olhando de modo meio desconfiado, mesmo eu tendo dito que era jornalista. O alemão é mesmo mais reservado e não costuma falar muito sobre si pra quem acaba de conhecer.
Mas esse olhar desconfiado talvez tenha sido um preconceito meu. Talvez eles estivessem com pressa pra escolher logo a janelinha. Quando entrei no avião e estava colocando minha mochila milimetricamente medida no porta-malas, em um dos últimos assentos restantes (perto do banheiro), ouvi um "Marcelo!?" da garota com que acabara de conversar. Sorri, e ela disse pra eu me juntar aos dois na fileira de três assentos em que estavam. Ela, logicamente, na janelinha.
Conversamos um pouco sobre a F1 e percebi que a menina, Annika Göcke, de 21 anos, era fã do esporte a motor. O homem, Thomas Walther, que não revelou a idade, também se mostrou um apreciador do automobilismo, mas era mais contido nas opiniões. Ambos se conheceram em dezembro passado em Munique em um evento beneficente de kart organizado pelo fã clube de Adrian Sutil (sim, isso existe aqui). E agora se reencontraram somente para ir juntos aos treinos da F1.
Perguntei se sabiam que parte do dinheiro que investiriam nos ingressos para o teste seria doada para as vítimas do terremoto no Haiti. Disseram que sim, mas a menina logo se prontificou e falou que "as pessoas sabem disso, e é uma iniciativa legal, mas ninguém vai ao teste por causa desse motivo. Todos vão mesmo pra ver a volta do [Michael] Schumacher". "E pra ver o [Fernando] Alonso de vermelho", acrescentou Thomas.
E enquanto conversávamos no avião, percebi que já estávamos parados no mesmo lugar havia 20 minutos. Por causa da forte neve que caia em Frankfurt, o vôo atrasou uma hora. Mas continuamos a conversa, algumas vezes interrompidos por um comissário de bordo com um humor sarcástico que nunca vi dentro de um avião.
"Se por algum motivo você tiver de continuar a sua viagem a Valência nadando, você encontra coletes salva-vidas embaixo de seu assento", disse ele, enquanto o outro comissário indicava, dando risada, o lugar onde estavam os coletes.
Após as risadas de alguns e a expressão de medo de outros, voltamos a falar sobre o motivo da nossa viagem. E perguntei a eles quais eram as impressões que tinham dos pilotos brasileiros através das informações que consomem geralmente.
"Nunca me interessei muito pelo [Rubens] Barrichello, nunca acompanhei muito o que ele fez. Mas o [Felipe] Massa tem chamado bastante a nossa atenção nas últimas temporadas. Eu torci muito por ele em 2008 e até chorei quando ele perdeu o título para o [Lewis] Hamilton no GP do Brasil. Não suporto alguém tão sem graça quanto o Hamilton ser campeão. Tomara que o Massa se recupere agora, depois do acidente na Hungria", disse Annika.
"Pena que ele vai ser segundo piloto neste ano", interrompeu Thomas. "Por que acha isso?", perguntei. "Dentro da Ferrari, já está claro pra mim que o Alonso está no comando. Ele é bicampeão, não precisa provar nada. A equipe sempre escolhe um pra vencer, e vai ser ele. A não ser que o Massa seja muito superior do que o Fernando logo nas três primeiras corridas. Aí, sim, dá pro brasileiro", acrescentou.
E a voz no auto-falante voltou a nos interromper. "Senhoras e senhores, agora iremos apagar as luzes para dar procedimento à decolagem. Se você tiver medo de escuro, você pode acender a sua luz individual ao apertar o botão que se encontra acima de sua cabeça", disse o comissário bem-humorado.
Annika, depois de dizer que não tinha medo de escuro, voltou a falar dos pilotos brasileiros. "E o Nelsinho é um estúpido. Por que ele fez aquilo? [se referindo ao escândalo de Cingapura]. Não é à toa que foi parar na Nascar, né?". Thomas riu e concordou.
Depois a conversa foi mudando de direção até que nós três, cansados, caímos no sono. Mas o cochilo foi interrompido novamente pelo comissário: "E nossa jornada chega a um final feliz. Bem vindos a Valência."
Fonte: 12 Horas Aéreas.
Photo by: 12 Horas Aéreas.
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