sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ainda sobre a Spanair


A companhia aérea espanhola Spanair admitiu ontem que o avião McDonnell Douglas MD-82 que se acidentou na quarta-feira no Aeroporto de Barajas, em Madri, abortou a primeira tentativa de decolagem por causa de um problema de superaquecimento do motor.

De acordo com o subdiretor de operações da Spanair, Javier Mendoza, o comandante do vôo JK 5022 com destino às Ilhas Canárias detectou um aquecimento excessivo em um dos sensores de ar localizado debaixo da cabine durante manobra de taxiamento.

Após identificar o problema, o avião retornou à área de embarque para verificar possíveis falhas e depois foi liberado para decolagem por não ter sido encontrada nenhuma "anormalidade" técnica na aeronave. Durante todo o processo, as 172 pessoas a bordo do avião não deixaram a cabine. Alguns dos passageiros usaram seus telefones celulares para falar com parentes sobre o possível atraso que o vôo sofreria. No entanto, após a segunda decolagem, a aeronave subiu alguns metros, caiu e pegou fogo, deixando 153 mortos e 19 feridos - no que foi considerada a pior tragédia da aviação espanhola em 25 anos.

Segundo autoridades entrevistadas pelo jornal espanhol El País, a identificação de todos os corpos levará de dois a três dias até que sejam realizados os exames de DNA necessários. A lista de mortos no acidente inclui pessoas de quase todas regiões da Espanha e de dez países - incluindo o brasileiro Ronaldo Gomes Silva.

Durante entrevista coletiva, os representantes da Spanair e da SAS - grupo escandinavo dono da empresa - justificaram o vôo e afirmaram que não têm planos de tirar o modelo MD-82 de sua frota. "Não existe nenhuma razão para tomar essa decisão após analisar a documentação dessa operação", disse o presidente da SAS, Mats Jansson.

CRISE ECONÔMICA
A Spanair passa por uma forte crise econômica e no primeiro semestre anunciou perdas no valor de US$ 81 milhões. Há poucos meses, a empresa apresentou um plano para fechar rotas e reduzir um terço de seus 3 mil empregados com o objetivo de cortar custos. A SAS colocou a companhia à venda, mas ainda não encontrou um comprador.

A explosão acordou Antonia Martínez Jiménez. De repente, ela estava rodeada de corpos, ferragens, malas e fumaça. Protegida pelo riacho sobre o qual havia sido arremessada pelo choque, notou o fogo à distância. Ouviu os gemidos e as sirenes. Sentiu o cheiro de combustível e da carne queimada. Moveu as pernas, os braços e encontrou no sobrenatural uma explicação. "Foi minha avó. Ela me salvou."

A aeromoça de 27 anos relembrou lentamente dos detalhes. Imobilizada em uma cama do hospital La Princesa, em Madri, um dia após a tragédia, contou à família como sobreviveu ao pior acidente aéreo da Espanha nos últimos 25 anos.

Antonia saiu incólume, com alguns pontos na testa, uma tala no braço esquerdo e uma fissura em uma vértebra. "É um milagre que esteja assim, inteirinha, sem nenhuma queimadura", disse ao Estado o pai, Dionísio Martínez, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.

Antonia acabara de ocupar o assento 1E, na primeira fila do MD-82 que deveria partir para as Ilhas Canárias. Nessa parte da aeronave, até a fila 17, estava a maioria dos 19 sobreviventes. Os cadáveres se concentraram na parte traseira, a que mais sofreu com o fogo.

"Foi horrível, mas quando ouvi as sirenes tive fé que me resgatariam", disse. A religiosidade é uma característica dos Martínez.

Antonia trabalhava a cinco anos como aeromoça, apenas os quatro últimos meses na Spanair. "E meus colegas, estão bem?", perguntou. A família mente, dizendo que não sabe. Ela foi a única dos nove tripulantes a sobreviver. No entanto, em breve, deve trocar de emprego. Provavelmente, voltará à filologia inglesa, sua formação acadêmica. "Não quero voar mais", afirmou.

Um dia depois do acidente com o avião da Spanair em Madri, começaram a vir à tona as histórias de dor e tristeza dos sobreviventes e parentes das vítimas. "Onde está meu pai? Quando termina esse filme?", perguntava um menino ao ser resgatado dos destroços do avião, segundo relato feito pelo bombeiro Francisco Martínez ao jornal espanhol ? El País. "Ele me perguntava se era verdade mesmo aquilo que estava acontecendo", explicou Martínez.

A médica colombiana Ligia Palomino Riveros, de 40 anos, contou à rádio Caracol, de Bogotá, o que viu após ser lançada do avião: "Ao meu redor via muita fumaça e um incêndio. Uma menina me pedia ajuda, mas eu não podia me mover." Também de nacionalidade colombiana, o menino Jesús Alfredo Acosta Mendiola, de 8 anos, foi levado a um hospital com ferimentos leves. Seu pai morreu na tragédia e a mãe está em coma.

O dia seguinte ao acidente com o avião da Spanair que matou 153 pessoas no aeroporto madrilenho de Barajas lembra a discussão que se seguiu à queda de um avião da TAM em Congonhas (SP), faz 13 meses.

Com uma diferença essencial: enquanto no Brasil dedos acusadores se levantaram contra a companhia, contra o piloto, contra o estado da pista, contra a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e contra a Infraero (pelas obras no aeroporto pouco antes), em Madri todas as suspeitas se voltam só contra a companhia aérea.
Suspeitas reforçadas ao extremo pela informação que Donovan Rubén Santana, filho de um dos mortos, deu a uma rádio. O pai enviou SMS (mensagem de texto por celular) à mulher, dizendo: "Querida, te quero, mas o avião está avariado. Pedi para que me mudem de vôo mas estamos esperando". Num segundo SMS, pouco depois, o pai de Donovan dizia que o motor esquerdo falhava, informação dada pelo piloto, que, sempre segundo a mensagem, "não queria decolar".
"Minutos depois da mensagem, aconteceu o que aconteceu. Ainda não acredito", contou Donovan ontem.
O motor esquerdo foi exatamente o que explodiu quando o piloto começava a tirar do solo o avião MD-82, que faria o vôo JK 5022, de Madri a Las Palmas, capital das ilhas Canárias.
O principal elemento que atrai dedos acusadores para a companhia é o fato de o aparelho ter sido levado para verificação quando já estava se preparando para decolar, cerca de uma hora antes da decolagem que não se completou.

Um subinspetor de Polícia, cobrou do presidente do governo José Luis Rodríguez Zapatero: "Como é possível deixar voar um avião depois de se detectar uma anomalia?"

Outras hipóteses
As demais hipóteses que poderiam demonstrar responsabilidade da Spanair não prosperaram.
Excesso de trabalho da tripulação do vôo acidentado? Não, diz Jordi Mauri, presidente do comitê de empregados da Spanair. "Há apenas o excesso de trabalho normal do verão."
Falta de qualificação do piloto? Não, segundo o Sindicato Espanhol de Pilotos de Linhas Aéreas. Tanto o piloto como o copiloto estavam "perfeitamente qualificados e tinham muita experiência".
Ainda assim, a suspeita contra a Spanair ficou estampada na manchete do matutino "El Mundo", crítico feroz e nem sempre responsável do governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero: "A crise da Spanair desemboca em uma tragédia com 153 mortos". Desta vez, poupou o governo.
Não há nenhum elemento até agora que permita atribuir o desastre a uma falha da empresa e muito menos ainda à crise que ela vive já faz algum tempo, tanto que a Spanair quis vendê-la para a também espanhola Iberia, mas não houve acordo.

Fontes: O Estado de São Paulo/Folha de São Paulo.

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