Lembro de ter lido um artigo, certa vez, no qual um engenheiro relatava o crash-test do Dreamliner – etapa obrigatória de todo projeto, quando as asas são vergadas até a ruptura de forma a atestar se os limites previstos na prancheta se confirmam em escala real. No 787, a informação era a de que o conjunto ficou quase na vertical antes de se partir. No A380, vi de perto as asas de 45 metros na fábrica de Toulouse: lá, um engenheiro me disse que o intervalo de oscilação vertical era de impressionantes 12 metros.
Voltando à nova tecnologia. O sistema funciona assim: se um pequeno orifício ou rachadura aparece na aeronave (devido à fadiga, a problemas em processos de pintura ou descascamento, ao choque de pedriscos, entre outras razões), uma resina de epóxi "sangra" a partir de pequenos "vasos" que existem por toda a fibra, preenchendo o orifício e restaurando a integridade estrutural. O modelo inclui, ainda, pigmentos na resina, de forma que a "cicatriz" da auto-regeneração possa ser identificada facilmente nos processos posteriores de checagem na manutenção.
O modelo simples e engenhoso, inspirado no que ocorre com cada um de nós, foi desenvolvido por engenheiros da Universidade de Bristol, com fundos do Engineering and Physical Sciences Research Council (EPSRC). A técnica tem potencial para ser usada sempre que houver aplicação de polímeros com fibra reforçada (FRP), justamente o material com o qual os jatos mais modernos estão sendo fabricados. O 787 é o estado-da-arte nesse tipo de tecnologia, tão avançada que a própria Airbus, por pressão de potenciais clientes, decidiu rever sua estratégia e direcionou o desenvolvimento do A350 do alumínio para os materiais compostos. Além dos aviões, turbinas de geração de energia eólica e espaçonaves podem se beneficiar dessa nova fronteira.
O segredo do negócio reside no fato de as fibras de vidro que fazem parte da composição do FRP serem ocas. Os pesquisadores descobriram como preencher as cavidades com a resina e um endurecedor. Quando as fibras quebram, a solução, similar ao Araldite, então "extravasa" como um sangramento, recuperando entre 80% e 90% da sua dureza original e permitindo que a aeronave continue em operação confortavelmente, sem prejuízo à capacidade de carga habitual.
"Esse tipo de abordagem permitirá à manutenção lidar com danos de escala pequena para ser percebida pela visão normal, mas que podem levar a sérios problemas estruturais se escapar da detecção", afirma Ian Bond, o cientista-chefe. "A descoberta complementa as inspeções, que facilmente capturam os danos maiores, como os de um choque de pássaros com a fuselagem", acrescenta o cientista britânico em entrevista no site da Science.
Por conseguir melhorar as características de segurança do FRP, o sistema auto-regenerativo acelera o aproveitamento em maior intensidade do material na indústria – nos jatos modernos é empregado nas asas, bico, leme de cauda e fuselagem. Quando conheci os compostos, lembro-me de ter tido acesso a dois tipos do mesmo material, empregados no A380: enquanto no das asas a trama permitia mais flexibilidade, no leme a necessidade era de uma grande resistência.
A história não pára por aí. O Bond cientista afirma que sua equipe trabalha com um desenvolvimento no qual o agente cicatrizador não fica contido na fibra, mas circulando em uma vasta cadeia de dutos, como o sistema vascular de animais e plantas. A vantagem estaria na possibilidade de o líquido ser reposto ou substituído ao longo da vida útil da aeronave. Também está sendo criada uma resina colante específica, já que a adotada era uma adaptação.
Pela estimativa dos pesquisadores, que há três anos atuam no projeto Bleeding Composites: Damage Detection and Repair Using a Biomimetic Approach ("Compostos que sangram: detecção de danos e reparo com abordagem biomimética") o achado estará em uso em quatro anos.
Os ingleses, ainda segundo a publicação, não estão sozinhos na corrida. Uma equipe da Universidade de Illinois trabalha em um modelo com microcápsulas contendo a substância dicyclopentadieno em vez da resina de epóxi. Quando há ruptura, um catalisador provoca uma reação que deixa a solução com propriedade similar à resina. O problema, nesse caso, é que o catalisador é baseado em rutênio, um metal caro e raríssimo.
Fonte: JB Online.
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